Machado de Assis: Gênio, Literário e Brasileiro

Machado de Assis é amplamente considerado um dos maiores escritores da literatura brasileira e mundial. Sua obra, que se estende por vários gêneros — incluindo romances, contos, crônicas, poesia e teatro — reflete uma habilidade singular de explorar a complexidade da alma humana e as contradições da sociedade brasileira de sua época. Ao longo de sua vida, ele desenvolveu um estilo que desafiava as convenções literárias e era marcado por um profundo senso de ironia, sutileza e introspecção. Neste artigo, vamos explorar sua vida e obra, a importância na literatura brasileira e o impacto duradouro de suas criações.

Quem foi Machado de Assis?

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839, em uma família humilde. Filho de um pintor mestiço e uma lavadeira portuguesa, enfrentou inúmeras dificuldades econômicas ao longo da infância. Além disso, era epilético e gago, o que lhe trouxe desafios físicos e emocionais. Apesar dessas adversidades, sua curiosidade intelectual foi notável desde cedo. Machado teve uma educação informal, principalmente autodidata, e passou grande parte da juventude trabalhando como aprendiz de tipógrafo, o que lhe permitiu acessar livros e entrar em contato com o mundo literário.

Na segunda metade do século XIX, o Brasil vivia um período de grandes transformações sociais e políticas. A escravidão, ainda vigente durante a sua juventude, seria abolida apenas em 1888. Além disso, o Império estava em decadência, e a Proclamação da República ocorreria em 1889. Essas mudanças moldaram a sociedade e a cultura brasileiras, influenciando o trabalho de Machado, que retratou com maestria as tensões sociais de seu tempo.

Apesar de seu começo humilde, ele rapidamente ascendeu aos círculos intelectuais do Rio de Janeiro. Em 1873, foi um dos fundadores da “Ateneu Rio-Grandense” e, em 1897, fundou a Academia Brasileira de Letras (ABL), e foi o seu primeiro presidente, deixando-o apenas com a sua morte em 1908. Morreu em casa, na madrugada de 29 de setembro, em razão de arteriosclerose generalizada (diz seu atestado de óbito) e não de um câncer em sua língua como foi divulgado na época. Naquele ano, o Brasil se despedia do gênio, ocasião em que foi decretado luto oficial no país.

Primeira Fase: Romantismo e o Início da Carreira Literária

Sua produção literária pode ser dividida em duas fases distintas: a primeira, marcada por características românticas, e a segunda, considerada realista. Durante sua fase inicial, Machado escreveu obras influenciadas pelos preceitos do romantismo, um estilo literário dominante no Brasil durante o início de sua carreira.

Seus primeiros romances, como Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874) e Helena (1876), abordam temas como o amor idealizado, os conflitos passionais e as convenções sociais. Nessas obras, já se pode notar um talento promissor, embora ainda não seja o Machado de Assis que se tornaria célebre por sua crítica social mordaz e análise psicológica. O estilo desses romances é marcado por uma linguagem rebuscada, típica da estética romântica, e uma preocupação com os dilemas amorosos da elite carioca.

No entanto, mesmo em sua fase romântica, ele já demonstrava um olhar arguto para os problemas sociais e psicológicos dos indivíduos, o que se aprofundaria na segunda fase de sua carreira.

Segunda Fase: O Realismo e a Maturidade Literária

É com a publicação de Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) que Machado de Assis faz a transição para o realismo e atinge o auge de sua maturidade literária. Esse romance é considerado um divisor de águas não só na obra de Machado, mas também na literatura brasileira. Enquanto a primeira fase de sua carreira estava marcada por traços românticos, é a partir deste momento que o autor se afasta dos clichês do romantismo e adota uma postura mais crítica e irônica diante da sociedade.

Memórias Póstumas de Brás Cubas é um romance inovador tanto em sua forma quanto em seu conteúdo. Narrado por um defunto — o próprio Brás Cubas —, a obra é repleta de digressões, reflexões filosóficas e uma visão desencantada da vida. Ele faz uso de uma técnica narrativa inédita para a época, conhecida como “narrativa fragmentada”, na qual o enredo é interrompido por comentários irônicos e reflexões que revelam a complexidade dos personagens e da sociedade em que vivem. Através do narrador defunto, Machado oferece uma crítica severa ao egoísmo, à futilidade e à hipocrisia da elite carioca.

Essa abordagem realista foi consolidada em obras subsequentes, como Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Em Quincas Borba, o autor continua a explorar a filosofia do “Humanitismo” — uma visão sarcástica da teoria da evolução aplicada ao comportamento humano, que satiriza a hipocrisia e a ganância da sociedade. Já Dom Casmurro é amplamente considerado uma de suas maiores obras-primas, sendo um estudo psicológico sobre o ciúme, a dúvida e as relações interpessoais. A ambiguidade sobre a traição de Capitu, personagem emblemática da literatura mundial, transformou o romance em um dos mais debatidos da literatura brasileira até hoje.

Além disso, esses romances revelam uma das maiores contribuições de Machado de Assis à literatura: o foco na psicologia dos personagens. Ele foi um dos primeiros escritores a explorar, com profundidade e sutileza, os estados mentais e as motivações interiores de seus personagens. O narrador de Dom Casmurro, Bentinho, é um exemplo disso, pois sua perspectiva subjetiva e tendenciosa cria uma narrativa ambígua e incerta, na qual o leitor deve questionar a confiabilidade do narrador.

Contista

Seus contos também ocupam um lugar de destaque em sua obra. Machado é considerado um mestre do conto, assim como do romance. Entre os mais célebres, estão O Alienista, Missa do Galo, O Espelho e A Cartomante. Nessas narrativas curtas, Machado emprega sua ironia característica para tratar de temas como o poder, a loucura, o destino e a identidade.

O Alienista, por exemplo, é uma sátira sobre a ciência e a loucura. Na história, o médico Simão Bacamarte decide internar todos os cidadãos da cidade de Itaguaí em seu manicômio, desafiando as definições de sanidade e loucura. O conto oferece uma crítica feroz ao autoritarismo científico e às normas sociais.

Missa do Galo, outro conto notável, é um exemplo da sutileza com a qual ele explora a ambiguidade dos sentimentos humanos. Nele, um jovem narrador conta a história de uma noite em que conversou com uma mulher casada, e a narrativa é marcada por um clima de tensão e expectativa, com implicações eróticas nunca explicitadas. Machado de Assis revela aqui sua habilidade em sugerir mais do que o que é dito abertamente, deixando espaço para múltiplas interpretações.

A Poesia e o Teatro de Machado de Assis

Embora seja mais conhecido como romancista e contista, Machado de Assis também se aventurou na poesia e no teatro. Sua poesia, assim como seus primeiros romances, inicialmente seguia as convenções do romantismo, mas, com o tempo, evoluiu para um estilo mais irônico e crítico. Coletâneas como Crisálidas (1864) e Falenas (1870) refletem essa evolução.

No teatro, ele escreveu algumas peças, embora essa parte de sua produção seja menos celebrada. Entre suas peças estão Quase Ministro e O Protocolo. No entanto, suas contribuições mais importantes para a literatura brasileira vêm da prosa, onde ele alcançou um nível de perfeição técnica e profundidade temática raramente igualados.

Legado e Relevância Contemporânea

Machado de Assis faleceu em 29 de setembro de 1908, aos 69 anos, deixando uma obra vasta e influente. Seu legado permanece vivo na literatura brasileira e mundial, sendo constantemente estudado, reinterpretado e debatido. Sua capacidade de capturar a essência da condição humana, com todas as suas contradições e ambiguidades, faz dele um autor universal, cuja relevância transcende o tempo e as fronteiras geográficas.

A crítica literária moderna frequentemente compara Machado de Assis a escritores como Dostoiévski, Proust e Henry James, devido à sua profundidade psicológica e à sofisticação técnica. Ele é considerado um dos pioneiros do modernismo psicológico e da literatura introspectiva.

Machado também é um dos autores mais adaptados e reinterpretados no cinema, televisão e teatro brasileiro, e suas obras continuam a inspirar escritores, acadêmicos e leitores em todo o mundo. A riqueza de sua prosa, a complexidade de seus personagens e a universalidade de seus temas fazem de Machado de Assis uma figura central no cânone literário mundial.

Conclusão

Machado de Assis é, sem dúvida, um dos maiores escritores da história do Brasil e um dos mais importantes da literatura mundial. Sua obra é marcada por uma profunda compreensão da alma humana e uma crítica mordaz às convenções sociais. Ao longo de sua vida, ele produziu romances, contos, crônicas e peças de teatro que continuam a ressoar com os leitores de hoje. Sua capacidade de enxergar além das aparências e de tratar de temas universais com uma linguagem inovadora garantiu-lhe um lugar de destaque na história da literatura (e em nossos corações).

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